domingo, 4 de novembro de 2007

Desilusão


Impávido e sereno
Como um fardo de feno
Completamente abstracto
Inerte, distante, calado
A vida a passar-lhe ao lado
Olhos fixos num retrato

O cabelo desgrenhado
Na boca um cigarro apagado
Cotovelos nos joelhos
Ao lado uma garrafa de vinho
Um cobertor gasto, de linho
E um monte de jornais velhos

Uma velha bem disposta
Abeira-se e dá-lhe uma posta
De bacalhau frito num pão
Ele gesticulou a agradecer
E começou logo a comer
A sandes com sofreguidão

Interpelei a senhora
Antes que se fosse embora
Perguntei-lhe: Quem era afinal?
Tão triste personagem
A olhar fixo uma imagem
Naquele desapego total

Respondeu que ele lhe contara
Da única vez que falara
Que a sua grande paixão
Um dia desapareceu
E ele nesse dia morreu
Por tão grande desilusão

O amor é mesmo assim
Um maravilhoso jardim
Quando tudo corre bem
Quando a coisa dá p’ró torto
Acaba sempre em mau porto
É duro e não poupa ninguém.




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